Petrobrás rescindiu contrato com Termoelétrica de Cuiabá.

Empresa Âmbar, pertence a holding J&F, que também detém a JBS.


Mais uma vez a geração de energia elétrica pela Usina Governador Mário Covas (Termelétrica de Cuiabá) está comprometida. A Petrobras rescindiu o contrato de fornecimento de gás natural à usina, administrada pela empresa Âmbar, pertencente a holding J&F, que também detém a JBS. O acordo comercial estava em vigor há dois meses.

Nesta quinta-feira (8), a empresa foi notificada da decisão da estatal, que possui prioridade na importação do gás natural da Bolívia. O contrato será anulado 10 dias após a notificação, ou seja, no dia 18 deste mês. Além de interromper antecipadamente o contrato, a estatal cobra indenização de R$ 70 milhões. O valor exigido é calculado com base no prazo contratual remanescente, entre a data efetiva da extinção do acordo até o término original, que se daria em 31 de dezembro deste ano. O contrato com a Âmbar foi firmado em 13 de abril de 2017.

A decisão foi tomada pela Petrobras devido à violação de cláusula contratual que trata da lei anticorrupção, explica a estatal, por meio de comunicado oficial. Como justifica a companhia, o contrato com a atual administradora da térmica de Cuiabá inclui cláusula na qual a Âmbar declarou que “não houve pagamento ou oferecimento de qualquer vantagem indevida a qualquer autoridade pública”. Contudo, as gravações no âmbito de delações premiadas de executivos da J&F, que vieram a público em maio, confirmam atos que violam a legislação anticorrupção vigente.

A decisão da Petrobras afeta duplamente a Âmbar, que fica sem o insumo básico para geração de energia e ainda terá que pagar R$ 70 milhões a estatal. “A Petrobras também exercerá a prerrogativa de cobrança de indenização pelo descumprimento das cláusulas contratuais da ordem de R$ 70 milhões”, diz trecho do comunicado.

No documento, a Petrobras acrescenta que durante as negociações contratuais não aceitou a demanda feita pela Âmbar, de pautar o preço contratual com base nos preços de importação do gás boliviano por estar abaixo das condições estabelecidas na política de preços da estatal em vigor. “Desta maneira, as condições de preço acordadas foram baseadas em critérios de mercado e que espelham contratos assinados pela Petrobras com outros clientes”, esclarece. No contrato que está sendo rescindido, o preço vigente é de US$ 6,07 por milhão de Btu (1 milhão de Unidades Térmicas Britânicas), enquanto o valor das importações bolivianas é de US$ 4,29/MMBtu.

Surpreendida com a notificação, a Âmbar informou que avalia o conteúdo do comunicado da Petrobras para decidir os próximos passos. Declarou que não é nem nunca foi alvo de investigações de atos de corrupção. “Todos os fatos relatados na colaboração com a Justiça por executivos da J&F se dão no âmbito da holding, e não da Âmbar”, rebateu, por meio de nota oficial. “A Âmbar ressalta ainda que, no acordo de leniência assinado pela J&F com o Ministério Público Federal (MPF), todas as controladas da holding estão autorizadas a celebrar contratos com instituições e empresas públicas”.

Em Cuiabá, o diretor corporativo da Âmbar, Rodrigo Zúniga, afirma que a Usina Mário Covas retomou a geração térmica em março deste ano. O demonstrativo do despacho térmico diário pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) aponta que na 1o semana deste mês a usina não gerou carga.

Em 30 de novembro de 2016, a direção da térmica firmou contrato direto e interruptível com o governo boliviano. O acordo foi celebrado em La Paz, capital da Bolívia. Por meio deste contrato interruptível, a térmica recebe o gás boliviano excedente, já que por ordem de prioridade, a Petrobras está a frente, seguida pela Argentina. “Temos o interesse em firmar o contrato direto e firme com a Bolívia para suprir a térmica com o insumo”, afirma Zúniga.

Segundo ele, uma negociação direta nesse sentido possibilitaria a térmica adquirir o gás a preços mais competitivos que os atuais praticados pela Petrobras, que importa o produto e repassa. O diretor corporativo da Âmbar diz ainda que a demanda por energia oscila e este contrato garante mais segurança para atender o mercado consumidor da Baixada Cuiabana.

Disputa tumultuada

A relação comercial entre a administração da termelétrica de Cuiabá e a Petrobras apresenta altos e baixos. Em 2015, especificamente no dia 4 de setembro, a Empresa Pantanal Energia (EPE) -arrendada pelo grupo JBS -protocolizou na superintendência geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) uma denúncia na qual acusa a Petrobras de monopolizar o fornecimento do gás no país e exigir condições de venda discriminatórias. Na oportunidade, solicitou ao Cade a condenação da Petrobras por conduta anticompetitiva e requereu que, até a avaliação final do pedido, o Cade adotasse medida preventiva contra a Petrobras, obrigando a estatal a cessar imediatamente a suposta infração.

Por sua vez, o Cade esclareceu que foi instaurado inquérito administrativo para apurar as denúncias. No curso do Inquérito Administrativo, a EPE fez ou reiterou seu pedido de medida preventiva ao menos 6 vezes, pedido este que não foi deferido pelo Cade, informou o órgão. O assunto ganhou repercussão nacional quando o delator e diretor de Relações Institucionais do grupo J&F, Ricardo Saud, afirmou que se reuniu em abril com Rodrigo Rocha Loures, ex-deputado federal e ex-assessor do presidente da República, Michel Temer (PMDB), para negociar o pagamento de propinas da JBS para a dupla (Loures e Temer) durante 25 anos.

Com isso, visava obter intervenção em decisão do Cade. Preso preventivamente, Loures foi flagrado com a propina no valor de R$ 500 mil na saída de uma pizzaria em São Paulo. Além de ter se encontrado pessoalmente com Loures para tentar influenciar parecer do Cade, Saud relatou em juízo que Joesley Batista, dono da J&F, pediu diretamente ao atual presidente pela intervenção a seu favor na denúncia de monopólio contra a Petrobras.

Sem intermediários

O fornecimento de gás natural diretamente a Mato Grosso, sem a intermediação da Petrobras que já declarou a intenção deixar de atuar neste mercado de gás, é apoiado pelo governo do Estado. No mês passado, o governador Pedro Taques (PSDB) esteve na Bolívia, onde se reuniu com o presidente Evo Morales para alinhar um acordo nesse sentido. No encontro também esteve o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB).

Na ocasião, foi agendada uma reunião em Santa Catarina para retomar o assunto com outros potenciais importadores brasileiros do gás natural. Mas, diante da atual conjuntura política no Brasil, o governo boliviano cancelou a reunião, informa o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso, Ricardo Tomczyk. “Esta situação da térmica com a Petrobras é particular, mas nossa tratativa com o governo boliviano permanece porque temos interesse em estabelecer um contrato firme de fornecimento de gás para Mato Grosso”.

Com o suprimento direto do insumo ao Estado seria possível garantir a geração de energia pela Usina Mário Covas, bem como suprir a demanda industrial e veicular. O pleito do governo de Mato Grosso é ampliar o volume ofertado do insumo dos atuais 2 milhões (m3) diários para 6 milhões (m3) por dia.

A reportagem entrou em contato com a assessoria do ministério dos Hidrocarburos e Energia da Bolívia para falar sobre um possível contrato de fornecimento de gás diretamente ao governo de Mato Grosso, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.


Gazeta

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